Não faço a menor idéia de quantas versões existem da história do Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, aliás, não poderia dizer nem mesmo quais foram as que eu já conheci, mas certamente a que me foi mais marcante foi a descrita na série “Brumas de Avalon”.
Admito que muito provavelmente o motivo de eu ter essa história como base e como critério de comparação com todas as outras versões seja o fato de ter sido a primeira com a qual eu tive contato, mas certamente a abordagem deste livro também contribuiu bastante para torná-lo marcante.
A grande diferença da história é o ponto de vista: não apenas é uma mulher que narra os acontecimentos, mas toda a trama tem um toque feminino. Não há aqui o calor das batalhas e outros interesses tipicamente masculinos, mas a sutileza e a graça feminina, o cuidado com os detalhes, com as palavras, com os sentimentos.
Sendo assim, enquanto esperamos a gravação do capítulo quatro do podcast, fica um trecho do livro para aquecer as idéias:
– Não chore – pediu Morgana, adiantando-se, e a moça recuou um pouco.
– Você é do povo encantado? Tem a marca azul na testa… – Levantou a mão e fez novamente o sinal da cruz. – Não – duvidou –, você não pode ser um demônio, pois não desapareceu quando fiz o sinal da cruz, tal como as irmãs dizem que qualquer demônio desaparece. Mas você é pequena e feia como a gente encantada… (…)
Morgana viu-se como devia parecer a Lancelote e à estranha donzela loura: pequena, morena, com o sinal azul bárbaro na testa, a roupa enlameada até os joelhos, os braços imodestamente desnudos, os pés imundos e o cabelo despenteado. Pequena e feia como a gente encantada. Morgana das Fadas. Assim a haviam chamado, desde a infância. Sentiu uma onda de raiva contra si mesma, de desprezo pelo seu corpo pequeno e moreno, seus membros seminus, a túnica enlameada. Arrancou a saia de cima da moita e vestiu-a, subitamente consciente de que tinha as pernas de fora, e colocou sobre ela a túnica suja. Por um momento, quando Lancelote a olhou, pensou que também ele devia considerá-la feia, bárbara e estranha. Aquela criatura delicada e dourada pertencia ao verdadeiro mundo dele.
(As Brumas de Avalon – A Senhora da Magia. Marion Zimmer Bradley)
11 Comentários sobre Avalon, a ilha sagrada