Criadores de Mundos: Arthur Conan Doyle

Escrito por: | em 10/03/2011 | Adicionar Comentário |

Se me permitem vou propor um rápido exercício: ao citar o gênero Romance Policial qual o primeiro personagem que vem à sua mente? Aposto que a maioria pensou em Sherlock Holmes, certo? Não há como negar a influência do velho detetive na história da literatura.

Há alguns anos atrás me dei conta de que nunca havia lido nada de Sherlock Holmes. Claro que conhecia o personagem por meio de diversos filmes e referências da cultura popular, mas não conhecia o original. Resolvi remediar isso comprando a coletânea Sherlock Holmes: Edição Completa da editora Agir.

Se você é apenas um curioso talvez não valha a pena obter todas as histórias do detetive, mas sem dúvida alguma é um livro que justifica seu preço. Com capa dura e bom acabamento é uma obra a ser guardada, aqui são reunidos em 936 páginas todos os 4 romances e 56 contos. Seus avós sabiam quem era Holmes e seus netos concerteza o saberão.

O homem por trás do investigador era o escocês Arthur Conan Doyle, que acabou recebendo o título de cavalheiro em 1902, portanto chamem-no de Sir, por favor, ou Doutor se preferirem, pois também era médico. Acontece que ainda no início da carreira, com poucos pacientes o visitando em seu consultório, Doyle tinha tempo suficiente para praticar o hobby da escrita e foi assim que surgiu Holmes. Este foi inspirado, em parte, em um professor de faculdade, Dr. Joseph Bell, um dos pioneiros da ciência forense, que pregava acima de tudo a observação. Ele esteve inclusive envolvido em alguns casos policiais utilizando a medicina na solução de crimes, fato corriqueiro hoje em dia. Acredita-se que esteve até no caso “Jack, o Estripador”, mas os crimes pararam 7 dias após ele apontar seu suspeito(!). Outra inspiração foi Auguste Dupin, personagem do conto Assassinatos da Rua Morgue de Edgar Allan Poe.

Doyle faz um retrato bem característico da Inglaterra do século XIX, num estilo noir e cavalheiresco. Repetindo a mesma receita de vários clássicos, as histórias do detetive não fizeram tanto sucesso no início, 1887, mas ganharam grande impulso a partir do terceiro título. Virou figura típica da Inglaterra e garantia de entretenimento para a população, que chegou a acreditar que ele existia, até porque suas histórias eram escritas por um homem que sempre o acompanhava, o Dr. John Watson, militar reformado que lutara no Afeganistão.

Mas, como todo bom escritor, Conan Doyle também tinha outros projetos, que incluíam as aventuras do Professor Chalenger no Mundo Perdido, que muitos devem conhecer, e outras pequenas histórias além da própria profissão que muitas vezes era deixada de lado. Assim, em 1894 decidiu matar Holmes numa luta mortal contra o Professor Moriarty. Chegou a dizer: “ele me impede de fazer coisas melhores”. Nos 8 anos seguintes foi bombardeado por cartas de fãs e pedidos freqüentes, inclusive ameaças, Sherlock não podia ter morrido. Resignado, teve que ressucitar o personagem e retomar a produção.

Penso que uma boa analogia a essa situação no mundo contemporâneo é imaginar Doyle como aquela banda de rock que fez sucesso com uma certa música, e mesmo tendo os anos passados e novos álbuns lançados, em todo show eles tem que tocar essa mesma música embora estejam cansados e enjoados dela.

O médico talvez não soubesse que tinha criado uma criatura maior que seu criador, símbolo de todo um estilo literário, um detetive particular observador, adepto dos disfarces, boxeador, fumante de cachimbo, usuário de drogas (na época liberadas), e tocador de violino. Alguns biógrafos e pesquisadores de Holmes, sejam profissionais da literatura ou psicologia, (sim, eles existem!) sustentam a teoria de que seus pais foram assassinados quando ainda era jovem, em um crime sem solução, e que isso o tivesse alterado psicologicamente, ocasionando a formação de uma personalidade peculiar, uma mente analítica e perturbada (olha o Batman aí!), por isso nunca foram citados por ele, nem quando encontrava seu irmão.

Curiosidades:

– Sua casa, 221B em Baker Street, que não existia na época, é hoje o Sherlock Holmes Museum;

– Doyle nunca fez referência ao chapéu de Holmes, o que faz com que seu famoso chapéu deerstalker tenha sido uma invenção posterior de outros autores em adaptações;

– A icônica frase: “Elementar, meu caro Watson.” Nunca foi dita em seus livros, mais uma vez foi uma inclusão posterior em adaptações;

– Sherlock fumava em cachimbo sim, mas era um costume comum à época, de forma nenhuma seria marca dele, até porque mais de uma vez já chegou a algum criminoso simplesmente por identificar o pó de seu cachimbo;

– Professor Moriarty, eleito pelo público como seu arquiinimigo, só aparece em duas histórias;

– O detetive está no Guiness por ser o personagem mais representado em toda a história do cinema. Pasmem! 75 atores o fizeram.

Homenagens:

– Na série de TV House, os personagens principais são uma recriação da famosa dupla, identificável pelos nomes, House = Holmes e Wilson = Watson, seu melhor e pacato amigo. Além disso o número do apartamento do médico é 221B e foi baleado em um episódio por um homem chamado Moriarty. Agora, ao invés de investigar crimes, investiga doenças.

– O livro O Nome da Rosa, de Umberto Eco, um de meus favoritos, que se passa em um mosteiro beneditino no século XIV, também faz uma homenagem. O narrador, Adson de Melk, é o aprendiz do personagem principal, William de Baskerville. Adson = Watson ; Baskerville = Sherlock, pois um de seus romances é O Cão dos Baskervilles.

– Falando de literatura nacional há o bem-humorado O Xangô de Baker Street, de Jô Soares, colocando o investigador em terras tupiniquins e situações inusitadas.

– Em 2003 o aclamado escritor Neil Gaiman recebeu a proposta de compor um conto unindo os universos de Sherlock Holmes e o terror de H.P. Lovecraft. O resultado é um dos mais geniais contos que li nos últimos tempos, Um Estudo em Esmeralda. Pode ser encontrado no início de sua coletânea Coisas Frágeis vol. 1, mas não recomendo a coletânea para quem não conhece o trabalho de Gaiman, apenas o conto que acabou rendendo a ele nada menos que o Hugo Award e um convite para se juntar à sociedade Bakerstreet Irregulars.

Se você não leu nada do mundo criado por Conan Doyle e gosta do gênero, vale a pena ler o primeiro romance, Um Estudo em Vermelho, embora não tenha a dinâmica dos livros atuais, e sua fórmula tenha sido repetida inúmeras vezes em outras mídias. Se persistir, leia em seguida Um Estudo em Esmeralda de Neil Gaiman. E se quiser mais, o Cão dos Baskervilles, o terceiro romance, é um dos melhores.



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Renan MacSan

Estudante de Medicina, leitor de longa data, jogador de games e amante de HQs. Tem como livro favorito O Nome da Rosa e sonha em terminar de escrever o seu. Leitura atual: Dança dos Dragões ; e Londres - O Romance.

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