Assunto Polêmico!

Escrito por: | em 05/08/2011 | Adicionar Comentário |

Não, não vou falar sobre mamilos. Vou tocar em outro assunto igualmente gerador de discussões e opiniões, o preconceito nas obras literárias.

Essa semana saiu a notícia de que o novo Homem-Aranha do universo Ultimate é Miles Morales, um personagem multirracial, filho de pai negro e mãe hispanoamericana. Sem entender bem o mundo das HQs, várias pessoas se manifestaram negativamente, não só por acharem que substituiria o famoso Peter Parker, mas também por que ele era “diferente”.

O universo Ultimate é apenas uma versão alternativa da história conhecida, portanto Peter Parker continuará lançando teias na história normal. Já Miles Morales é criação conjunta do editor chefe da Marvel, Axel Alonso (pai mexicano e mãe caucasiana) e do roteirista Brian Michael Bendis (caucasiano e com duas filhas adotivas negras), trata-se de dois homens tentando deixar um mundo melhor para seus filhos. Basta ver que não há nenhum super-herói de HQ expressivo que não seja caucasiano, o que antes era normal tendo em vista que esse era o público alvo durante dezenas de anos, mas agora já está ultrapassado.

O maior questionamento derivado desse assunto é: até que ponto pode-se absolver um autor ou uma obra por serem preconceituosos? Lemos muitos livros clássicos, escritos há dezenas de anos e volta e meia esbarramos em algo estranho. É preconceituoso? Sim. Posso desprezar esse autor por isso? Hmmm…

Um dos últimos exemplos midiáticos foi a polêmica envolvendo Monteiro Lobato e a exclusão de um de seus livros do Sítio do Picapau Amarelo por ter conteúdo racista. Li a coleção quando criança e gostei bastante, e sim ele era um ótimo escritor, mas nunca deixaria meus filhos lerem algo dele. Explico: trata-se de uma obra do século XX, tempo que torna difícil a utilização da defesa do “era outra época” ou “ele foi criado assim”, mesmo que queira-se usar esse argumento, as obras são sim racistas.

Seu último livro que li foi O Presidente Negro, onde ele previa a ascenção de um negro à presidência dos EUA. Lobato era um profundo admirador dos EUA e adorava a separação racial da época, sempre criticando a miscigenação brasileira. Acontece que no final deste livro ele escreve que os brancos finalmente encontraram uma saída, criaram uma espécie de vacina que ao ser injetada nos negros os deixaria inférteis, terminando de vez com esse problema, assim como o genophage para quem jogou Mass Effect. Ele não só descreve a idéia, mas a defende. Era um escritor sabidamente racista e admirador da KKK. Um adulto com opiniões formadas e bem cimentadas pode admirá-lo, mas nunca uma criança em processo de formação de caráter e conhecimentos.

Outro que tenho que citar é o tão admirado Nietzsche, filósofo alemão do século XIX. Não gosto desse autor, mas sei que muitos o adoram pelo acréscimo à filosofia. Era um homem inteligente e com boas idéias, mas no meio delas havia muito preconceito. Hoje ele é estudado mundo afora por pessoas que fazem vista grossa a uma parte de suas obras, com conteúdo explicitamente racista, sexista e anti-semita. Retiro dois trechos de Assim Falou Zaratustra:

“… A terra está cheia de supérfluos, e os que estão demais prejudicam a vida. Tirem-nos desta com o engodo da eterna! Amarelos se costuma chamar aos pregadores da morte, ou então pretos…”

“… A mulher ainda não é capaz de amizade: as mulheres continuam sendo gatas e pássaros. Ou melhor, vacas.”

Ok, filósofo, Alemanha, pouco antes do século XX, quem gostaria de ler isso? Você acertou se pensou nos nazistas. Não só leram mas utilizaram como doutrina. Tudo isso aliado ao seu famoso conceito do “superhomem”, formando os pilares para a idéia da raça “pura e mais capaz que as outras”.

Vários outros autores poderiam ser citados, e cabe ao leitor a decisão de lê-los ou não. Um bom livro que ainda não terminei de ler é Armas, Germes e Aço, ganhador do Pulitzer. Nele o britânico Jared Diamond discorre historiograficamente e biologicamente sobre o porquê que as nações caucasianas conseguiram se desenvolver tecnologicamente mais rápido do que as outras, e a conseqüente ilusão de serem superiores.

Acho que uma das melhores formas de mudar antigos conceitos é o esporte, através do qual torcemos para uma nação ou time, independente da cor, religião ou sexo do jogador. Vejam por exemplo os All Blacks, a seleção neozelandesa de rugby, a melhor do mundo. Trata-se de um time multirracial que tem a tradição de sempre antes das partidas fazer uma dança cerimonial milenar criada pelos povos indígenas da ilha para intimidar o inimigo, o Haka:


Renan MacSan, descendente de portugueses, franceses, africanos, ameríndios e escoceses.



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Renan MacSan

Estudante de Medicina, leitor de longa data, jogador de games e amante de HQs. Tem como livro favorito O Nome da Rosa e sonha em terminar de escrever o seu. Leitura atual: Dança dos Dragões ; e Londres - O Romance.

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